Quem nada tem não tem nada a perder


Ano de eleição, tempo de analisar as propostas de cada candidato, perceber e analisar o que seria, de fato, melhor para a população. Foi a partir desses pensamentos que, de repente, deparei-me pensando sobre um assunto importante: a legalização do porte de armas. Muitos representantes do Estado e muitos outros indivíduos já se manifestaram sobre o assunto e uma grande parcela dessas pessoas se mostrou a favor do porte de armas por civis. Pensando se, realmente, isso é necessário ou não, comecei a me lembrar de certas coisas que já ocorreram comigo e que já li em alguns lugares e, a partir disso, percebi que não sou a favor de tal ação.
Lendo o texto de Gregório Duvivier sobre os estágios do assalto, percebi que todas as etapas que ele cita em sua crônica realmente passaram pela minha cabeça após eu ser assaltado duas vezes. Na segunda vez que eu fui furtado, eu estava sozinho, fui cercado por três jovens portando facas em suas mãos, levei tapas na cara e fui ameaçado de morte, mas, no fim, só levaram o meu celular. Nas duas vezes, eu fiquei bastante assustado, não queria sair na rua, sentia-me, totalmente, impotente e, ao mesmo tempo, sentia-me com muita raiva e com muita vontade de achar os caras e fazê-los pagar por isso. Mesmo assim, eu não fiz nada, não sei se eles foram presos em seguida, não sei se eles estão presos hoje e também nem sei se eles estão vivos.
Sei que a população se sente insegura diante desse tipo de situações e de muitas outras muito mais abusivas e agressivas do as que eu vivi. Isso realmente assusta, deixa-nos incrédulos, preocupados e com raiva, mas, mesmo assim, não serão nós (os civis) armados que deverão resolver isso. Entendo que a ideia de segurança em razão de um porte de arma pareça realmente a solução para muitos, mas pensemos em um exemplo sobre o quanto isso pode ser falho. Em uma situação, basta pensar no trânsito e em como muitas pessoas dirigem sem respeitar sinalizações e preferencias. Mesmo quando alguém está errado e pode estar cometendo uma infração de trânsito, esse alguém não deixa de buzinar e xingar outra pessoa que está dirigindo corretamente naquele momento, mas que no pensamento daquela pessoa esta está “atrapalhando o trânsito”. Se as duas pessoas tiverem pavio curto, certamente, isso pode se tornar em uma confusão, acarretando agressões e até em assassinato (e eu sei que vocês sabem que isso acontece muito).
Se os civis pudessem portar armas livremente como é permitido em alguns países, pense no quanto isso poderia trazer efeitos contrários à ideia de segurança e de direito à vida. Se você, portador de uma arma de fogo, entra em uma discussão ou briga séria contra outra pessoa, também portadora de uma arma de fogo, a chance de isso acabar mal é muito grande. Mesmo que talvez você leia isso e pense “eu jamais mataria alguém durante uma briga”, lembre-se que talvez você poderia se controlar e não faria nada, mas você não impediria que o outro talvez tivesse o pensamento contrário e acabasse pegando uma arma e apontando para você. Nessa situação, você portador de arma de fogo, provavelmente, procuraria se defender procurando a sua arma e no final o saldo poderia ser um ou mais feridos ou um ou mais mortos.
Continuando nesse raciocínio, nada impede que os seus amigos e familiares assim como os amigos e familiares do outro não tomem as dores de vocês e assim iniciem um conflito entre eles, tornando o problema cada vez mais sério. Cada um seria juiz em causa própria e assim não haveria segurança e nem preservação da vida. E quem nada tem não tem nada a perder. Se eu não me engano algum filósofo já falou sobre isso alguns séculos atrás.
Por mais que o porte de uma arma de fogo pode parecer que em uma situação de assalto por exemplo pode fazer com que o bandido fuja ou veja que ele está fazendo uma coisa errada e você acabe saindo ileso e com todos os seus pertences, há uma grande chance de você provocar uma situação semelhante à descrita no parágrafo anterior e com o mesmo saldo final daquela. Nosso problema com a segurança não será resolvido dessa forma. Nós temos quem pode nos defender e fazer com que eles nos deixem seguros mas para isso precisamos valorizar o trabalho deles, mas também exigir uma postura mais rígida, correta e justa. Sei que muitas pessoas olham para os EUA e adorariam visitar e quem sabe, se houver oportunidade, até morar lá (eu também sou um desses), mas lá o porte de armas é legalizado, vários massacres ocorrem frequentemente por conta disso e a situação só não é pior porque lá é um dos países mais segregacionistas do mundo, construindo barreiras visíveis ou invisíveis entre a sua população por causa de diferenças econômicas e raciais, por exemplo. E isso é muito ruim também. Para ter uma legalização do porte de armas por civis no Brasil, precisaríamos de uma reformulação racional para corrigir os nossos atos. A questão é que essa reformulação não deveria ocorrer porque gostaríamos de ter uma arma.

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